Da antiguidade ao século XIX
Também chamada de tísica pulmonar, 'peste branca' ou 'doença do peito', a tuberculose, é uma doença infecciosa documentada desde longa data. Evidências de decomposição tubercular encontradas em múmias do Egito, indicam que a tuberculose tenha acometido a humanidade há pelo menos 4 mil anos. Hipócrates, médico da Grécia Antiga, observou que a tísica foi a doença mais disseminada e fatal do seu tempo. Estima-se que a bactéria causadora da doença tenha evoluído há 15 ou 20 mil anos, a partir de outras bactérias do gênero Mycobacterium.
No final do século XVIII, a tuberculose, qualificada como 'doença romântica' característica de poetas e intelectuais, foi idealizada, nas obras literárias e artísticas, ao estilo do romantismo. Na verdade, o mal acometia, sobretudo, aqueles que, por sua atividade ou ideologia, se permitiam uma vida mais livre e mais distanciada dos padrões morais dominantes. Na época, a tísica, que representava a expressão física dos sentimentos, era reconhecida no campo artístico e literário como a doença da paixão.
"... Em países europeus, a imagem de um 'tuberculoso' estava associada à idéia de sensibilidade às artes, ao amor, ao refinamento dos sentimentos e passou a ser, no século XIX, uma forma valorizada de estética. Ser como ou ser um 'tuberculoso' era visto, por alguns grupos, como um símbolo de distinção, o que influenciou por muito tempo os padrões sociais europeus de vestir-se, de viver, de comer e de afirmar-se na sociedade. Porém, ao final do século XIX, na Europa, houve a reconstrução da imagem da tuberculose; a concepção romântica deu lugar à compreensão social da doença, com sua maior incidência nas classes trabalhadoras." (GONÇALVES, 2000) 1
A tuberculose, vista então como um 'mal social' que atingia sobretudo as classes mais pobres, foi uma grande preocupação no século XIX e início do século XX.
"Outra concepção de doença, a da degeneração do indivíduo (mal social), reunia idéias que demarcavam os comportamentos sociais (estilo de vida) e as condições de vida (moradia, higiene, trabalho) como relevantes para o adoecimento. A culpa, nesse caso, recaía sobre o indivíduo à medida que o adoecimento era conseqüência dos maus hábitos, das péssimas condições de higiene e de vida." (GONÇALVES, 2000) 2
Em 1815, na Grã Bretanha, uma entre quatro mortes era devida à tísica pulmonar, sendo que após 1880, depois de descoberto tratar-se de moléstia contagiosa, a tuberculose passou a ser objeto de notificação obrigatória no país. As pessoas infectadas eram levadas para sanatórios que mais se assemelhavam a prisões. Entretanto, apesar do ar fresco e do trabalho ali desenvolvido, 75% das pessoas internadas acabavam morrendo em menos de cinco anos. Na Europa e nos Estados Unidos, foram tomadas medidas de precaução e elaborados projetos para evitar a contaminação.
O desconhecimento sobre a doença, a falta de diagnósticos e de terapêuticas eficazes para o seu combate fizeram com que a tuberculose fosse vista como uma doença que derivava do comportamento desregrado e amoral, do ar impuro, do local aglomerado e não higiênico, do que era colocado para fora e que contagiava; do crescimento acelerado e desestruturado. Parte dessas concepções se mantém até hoje independentemente de quanto a medicina tenha evoluído na sua cura.
Por volta de 1860, a medicina associava a tísica às condições de miséria em que vivia a população. A grande preocupação, em termos de saúde pública, estava na destruição dos cortiços e recuperação das zonas urbanas das cidades. Os cortiços eram vistos como mantenedores, propagadores e acumuladores de sujeira e perigo social, antros de doenças. Dentre estas preocupações, a tuberculose não figurava como epidemia que necessitava de controle, como a febre amarela. Como a tuberculose desenvolvia-se principalmente nas camadas mais pobres e subnutridas, acreditava-se estava intrinsecamente ligada à hereditariedade, a noção da doença implicava a noção de herança de morte. O adoecimento de várias pessoas da mesma família, ao mesmo tempo, servia para reforçar essa tese. A moléstia era herdada enquanto constituição e, na época, a morte sobrevinha porque a cura inexistia.
Outra teoria corrente definia a tuberculose como uma doença da constituição física, ou seja, nascia-se com o organismo predisposto ou com a moléstia. Essa idéia é remanescente de Hipócrates, que afirmava que um tísico nascia de outro igualmente doente morrendo tísico.